Débora Rodrigues de Oliveira Serra; Monique de Oliveira Serra; Vanderley Rabelo de Jesus; Geysicleia da Costa Ataídes
Considerado o principal portal de entrada para os Lençóis Maranhenses, o município de Barreirinhas está localizado na região norte do Maranhão, situado a 265 km da capital São Luís. Possui uma área de 3.112 km², com 65.583 habitantes (IBGE, 2022). A cidade tem o turismo como importante dinamizador da sua economia e, por esta razão, sofreu significativos impactos ocasionados pela pandemia da Covid-19, que se espalhou pelo Brasil a partir de março de 2020. Tais impactos foram observados principalmente sobre os trabalhadores do turismo, destacando-se, neste estudo, os do agenciamento de viagens do tipo receptivo, buscando-se analisar tais impactos a partir da percepção dos próprios participantes da pesquisa.
Fonte: Imagem criada com IA por Vanderley Rabelo de Jesus
A evolução da atividade turística (Período pré-pandêmico)
Na década de 1970, a Petrobras iniciou pesquisas petrolíferas na região, abrindo trilhas que mais tarde facilitou o deslocamento da população (Ramos, 2012). O crescimento continuou com a criação do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses na década de 1980 e a divulgação de suas belezas naturais (Barreirinhas, 2023). Posteriormente, a gestão pública focou na estruturação do turismo, destacando-se o Plano Maior e, em 2007, a criação do Sistema e Fundo Municipal de Turismo (Ataide Júnior; Moura & Ataide, 2019, p. 4).
Os investimentos privados aumentaram, impulsionando empreendimentos de serviços de receptivo, como agências, hospedagens, bares e restaurantes (Saldanha et al., 2017). O setor informal também cresceu, especialmente em comércio e artesanato, exigindo a organização do turismo local. No Cadastur, há mais de 150 agências de turismo registradas no município, evidenciando o alto potencial do turismo receptivo na região.
Assim, após um longo período de inativação, foram reativados, em 2016, o Conselho Municipal de Turismo (COMTUR) e o Fundo Municipal de Turismo (FUMTUR), trazendo com eles o Voucher Digital Turístico, que tem como arcabouço tributário o Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza (ISSQN), obrigando as agências a sua emissão, sob pena de crime de sonegação fiscal (Nascimento & Trentin, 2022). O Voucher Digital turístico enfrenta inúmeros entraves na sua operacionalização, que vão desde a dificuldade de fiscalização até o mal funcionamento da internet nas áreas onde os visitantes costumam explorar na cidade, com destaque para o PNLM (Nascimento & Trentin, 2022).
A organização e formalização da atividade turística local deveria garantir a estruturação de uma dinâmica do turismo sólida e eficiente, assegurando que o destino turístico possa gerenciar crises como a gerada pela pandemia do Covid-19, evitando a intensificação da informalidade que acarreta prejuízos para os trabalhadores do setor. Porém, no que se refere às condições de trabalho para quem atua no turismo, ainda que formalmente, a precarização tem sido característica, o que se agravou na pandemia.
O trabalho no turismo e a flexibilização das leis trabalhistas em tempos de pandemia
Segundo Cruz (2021), a ampliação na precarização no trabalho se ampara na flexibilização das leis trabalhistas, destacando-se a Lei 13.467/2017, que revogou mais de cem artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), regulamentando o trabalho intermitente, permitindo um maior parcelamento das férias e a redução do tempo obrigatório para descanso e alimentação, bem como desobrigando os trabalhadores da contribuição sindical compulsória, enfraquecendo-se a luta coletiva.
Para Alves (2021, p. 131), “o setor do turismo [...] além de remunerar precariamente seus trabalhadores, não lhes proporciona a qualidade desejável de vida [...]. Pelo contrário, as longas jornadas de trabalho, [...], têm impactos nocivos sobre sua saúde”. Segundo Meliani e Gomes (2010), os trabalhadores contratados temporariamente são os mais afetados pela informalidade, pois as empresas preferem não investir na contratação formal para reduzirem os gastos e assim expandirem seus lucros. Em 2020, o isolamento social causado pela Pandemia do Covid-19 resultou na “[…] perturbação mais grave da economia global desde o mundo pós Segunda Guerra Mundial” (Ribeiro & Moreira, 2021, p. 108). Ressalta-se que, antes da pandemia, as expectativas para o setor do turismo, conforme os autores, eram de crescimento global.
O isolamento social em Barreirinhas e a proibição da visitação ao Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses que se efetivaram a partir da publicação do Decreto Municipal N° 06 de 21 de março de 2020, bem como da Portaria N° 227, de 22 de março de 2020, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio, que suspendeu a visitação pública nas unidades de conservação federais (Barreirinhas 2020a; Brasil, 2020a), levou a um fluxo de visitação quase nulo entre os meses de abril e maio de 2020 (Rodrigues et al., 2021). Tal situação gerou demissão de 50% dos trabalhadores em empreendimentos turísticos (Serra et al, 2020), tendo em vista que houve queda no faturamento de tais empresas.
A crise econômica agravada pela pandemia no Brasil foi usada como justificativa para intensificar a flexibilização das leis trabalhistas, tal como afirma Monteiro (2020), para quem esse cenário resultou na impossibilidade de os empresários cumprirem suas obrigações junto aos trabalhadores, restando, como solução, a redução temporária de alguns direitos ou a adoção das demissões em massa.
Em junho de 2020 foi iniciada a reabertura gradual da atividade turística no município de Barreirinhas, com a publicação do Decreto Municipal N° 18 de 08 de junho de 2020 e da portaria n° 752, de 29 de junho de 2020, do ICMBio, determinando a reabertura do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses a partir do dia 01 de julho daquele ano (Barreirinhas, 2020b). Esse processo de abertura gradual é analisado preliminarmente por Teberga (2021), que aponta para os impactos tanto na situação ocupacional, quanto na saúde dos trabalhadores, o que se verifica, a seguir, nos resultados desta pesquisa.
Efeitos da COVID-19 na sua saúde, na vida pessoal e profissional e nas condições de trabalho
ENTREVISTADO 1 | A demissão sua e de sua mãe causou dificuldades financeiras, ansiedade e insônia, com a renda limitada ao seguro-desemprego e uma recontratação informal com menor remuneração. Houve receio de contrair COVID-19 e transmiti-la a parentes com comorbidades. Em 2022, foi diagnosticado com a doença. Foi recontratado formalmente em 2021. |
ENTREVISTADO 2 | Com a suspensão do contrato, sua remuneração foi reduzida pela metade e paga pelo governo. A empresa pediu que trabalhasse informalmente sem pagamento, e ele, ao recusar, ficou ansioso com a possível demissão. No retorno, apesar dos protocolos de proteção contra a COVID-19, sentia-se inseguro devido ao contato com turistas. Foi demitido após o período de estabilidade exigido pelo governo. |
ENTREVISTADO 3 | A redução de jornada e salário causou dificuldades financeiras para ele e sua família. Trabalhou remotamente com internet fornecida pela empresa. Apesar do transtorno de ansiedade pré-existente, não teve piora na saúde física e mental. Contraiu COVID-19 durante o trabalho remoto. Após o retorno presencial, a carga de trabalho aumentou devido à redução de funcionários, mas ele se sentiu seguro com as medidas de proteção. |
ENTREVISTADO 4 | Considerou injusta sua demissão e, sem seguro-desemprego, trabalhou brevemente em outro ramo, mas não se identificou. Ficou meses desempregado sem auxílio emergencial, o que prejudicou sua vida pessoal. Sua saúde mental foi afetada, mas não a física. Retornou ao agenciamento de viagens, inicialmente informal e depois formalizado, sem mudanças nas condições de trabalho. Sentiu-se seguro com os protocolos contra a COVID-19, embora tenha contraído a doença fora do trabalho. |
Fonte: Dados da Pesquisa (2022)
Considerações finais
Os trabalhadores sofreram impactos financeiros devido às demissões ou à redução na remuneração com a flexibilização das leis trabalhistas, mas também psicológicos, com a mudança no cotidiano. O retorno ao trabalho, com a reabertura das agências, foi acompanhado do receio de contrair a COVID-19, mesmo com o cumprimento dos protocolos pelas empresas. Porém, os relatos sobre o trabalho precarizado revelam que as condições para isso são anteriores à pandemia.
Como sugestões para a ampliação da proteção aos trabalhadores em situações de crise foram apontadas, pelos entrevistados, o apoio psicológico, a melhoria na remuneração, jornadas não excessivas e a busca de acordo entre empregadores e empregados. Finalmente, as entrevistas possibilitam identificar a necessidade de uma maior compreensão dos trabalhadores em relação aos seus direitos trabalhistas e a importância da representatividade da categoria, aliada à constante qualificação profissional para a sua valorização no mercado de trabalho.
Agradecimentos e apoios
Este artigo deriva da pesquisa intitulada “EFEITOS DA PANDEMIA DA COVID-19 EM TRABALHADORES DO TURISMO: o caso do setor de agenciamento de viagens em Barreirinhas – MA”, realizada por meio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica - PIBIC/CNPq.
REFERÊNCIAS
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Decreto n. 18, de 08 junho de 2020. (2020b). Estabelece os protocolos de segurança sanitária para a retomada das atividades turísticas no Município de Barreirinhas/MA., no enfrentamento de emergência em saúde pública de importância internacional decorrente da Pandemia do Novo Coronavírus-COVID-19, e dá outras providências. Barreirinhas, MA. Recuperado de http://www.transparenciadministrativa.com.br/portaltm/covid19/index.xhtml?token=38d02252aad6a8f42983ea3a8e1c6019edd1420e
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Rodrigues, L. M., Pinho, T. R. R., Silva, D. L. B., Lima, T. J. C., Serra, D. R. O., & Serra, M. O. (2021). O cenário turístico maranhense frente aos efeitos da Covid-19: um olhar sobre os municípios de São Luís, Barreirinhas e Tutóia. In R. C. A. Cruz (Org.). Turismo em tempos de Covid-19. São Paulo: FFLCH/USP.
Saldanha, M. A., Bello, L. A. L., Lopes, M. L. B., & Cruz, S. H. R. (2017). Diagnóstico do emprego turı́stico gerado na cidade de Barreirinhas (MA). Revista Brasileira de Ecoturismo 10(2):466–497. https://doi.org/10.34024/rbecotur.2017.v10.6637
Serra, M. O., Marques, A. M., Santos, L., Melo, N. O., Lima, K. L. G., & Santos, G. S. B. S. (2020). Impactos econômicos nas atividades características do turismo no município de Barreirinhas - MA causados pelo novo corona vírus, ACTA TECNOLÓGICA, v.15(1). 131-149. https://doi.org/10.35818/acta.v15i1.994
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