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Estratégias empresariais que precarizam o trabalho turístico

Atualizado: 15 de out. de 2020

Ernest Cañada | Alba Sud


Como as empresas de turismo atuam para reduzir seus custos trabalhistas? Conhecemos bem as dinâmicas da precarização, razão pela qual este artigo identifica alguns dos principais mecanismos utilizados no campo do turismo.


Plaza Real, Barcelona. Crédito: Ernest Cañada.


O turismo é apontado de forma recorrente pela baixa qualidade do emprego que gera. Salários baixos, emprego atípico, longas jornadas, horário flexível, assédio no trabalho, ação anti-sindical são algumas das constantes que se repetem em todos os lugares. Além disso, a composição de sua equipe é altamente feminizada (Obadić & Marić, 2009), com tarefas claramente diferenciadas de acordo com o gênero, o que leva a processos de segregação horizontal (Jordan, 1997) e indica políticas de recrutamento de mão de obra que têm aproveitando as desigualdades estruturais baseadas em gênero para baratear e flexibilizar sua força de trabalho (Moreno & Cañada, 2018). Da mesma forma, há uma participação muito alta de imigrantes, principalmente de países periféricos (Devine et al., 2007). Dessa forma, mulheres, imigrantes e jovens parecem ser a maior parte da força de trabalho do turismo com poucas chances de desenvolver uma longa carreira profissional, portanto a rotatividade também é uma das principais características do trabalho turístico (Zampoukos & Ioannides, 2011). Trabalho precário no turismo aparece cada vez mais associado em diversas partes do mundo (Cañada, 2019).


As preocupações fundamentais das empresas no âmbito trabalhista têm a ver com a capacidade de dispor de pessoal capacitado para executar as tarefas de que precisam; com o interesse em controlá-lo para que trabalhe sob certas condições e em discipliná-lo para evitar ou reduzir possíveis comportamentos não condizentes com o esperado ou que tratam de organização coletiva para defesa de seus interesses; e, finalmente, com a manutenção dos custos baixos trabalhistas, o que significa acentuar os processos de flexibilização e intensificação do fator trabalho. Esse conjunto de necessidades empresariais básicas determina as políticas de gestão de recursos humanos nas empresas. As políticas de RH que objetivam resolver essas preocupações se organizam de maneira concreta, de acordo com a conjuntura histórica, o contexto político-institucional e as características do setor.


O cenário em que as empresas de turismo operam atualmente é marcado pelo aumento da desigualdade global em um contexto de aceleração da globalização econômica, pelo aumento do poder corporativo sobre o trabalho e por mudanças tecnológicas que têm gerado grandes incertezas no mundo do trabalho. A precariedade deve ser vista principalmente como um processo histórico, que responde às políticas de flexibilidade laboral impostas pelas empresas com apoio do Estado. E manifesta-se através de:

  • Expansão das formas atípicas de emprego, como os empregos temporário, parcial ou subcontratado, por meio dos quais diminuem-se as obrigações contratuais dos empregadores (Recio, 2007);

  • Ênfase na flexibilidade da organização do trabalho (categorias de trabalho, jornadas, mobilidade, funções);

  • Agravamento da perda de poder do trabalho, começando pelo controle dos próprios processos de produção (Lewchuk et al., 2008);

  • Enfraquecimento das capacidades de ação coletiva construídas em torno da sindicalização.

Ao mesmo tempo, sem a presença (ou com uma presença fragilizada) da organização sindical nas empresas, os processos de precarização do trabalho encontram menos resistência e, portanto, acentuam a extensão e a rapidez com que ocorrem. Isso produz um círculo vicioso no qual menos sindicalização significa maior precariedade, o que, por sua vez, resulta em mais fraqueza sindical, de tal forma que ambos os fatores se retroalimentam, levando a um mercado de trabalho cada vez mais precário (Banyuls & Recio, 2017). Tudo isso leva a uma maior insegurança, fragmentação e vulnerabilidade dos trabalhadores (Banyuls & Recio, 2015; Cano, 2004; Jordhus-Lier, 2015).


No âmbito das empresas de turismo, e especialmente no setor hoteleiro, sobre o qual temos muito mais informações do que qualquer outro tipo de atividade, os mecanismos pelos quais esse processo de desvalorização do trabalho é consolidado tem a ver fundamentalmente com:


a) Medidas relacionadas à composição da força de trabalho.

Os processos de seleção de pessoal tendem a priorizar determinados grupos, aos quais se pode pagar valores inferiores justificada pela naturalização de certas desigualdades estruturais em razão de gênero, nacionalidade ou idade. Assim, os quadros de trabalhadores são segmentados de acordo com o tipo de atividade e características atribuídas a determinados grupos. É o caso, por exemplo, das mulheres que realizam tarefas que podem ser associadas com uma extensão do trabalho doméstico e de cuidados, socialmente desvalorizado em uma cultura patriarcal, e acabam vendo ser reproduzidas as mesmas divisões sexuais no mercado de trabalho. Mas também é o caso dos imigrantes de países periféricos, aos quais são atribuídos certas funções e ocupações em um mercado de trabalho altamente segmentado. Finalmente, esse também é o caso dos estudantes que realizam determinadas atividades em meio período e temporárias. Assim, o status de imigração, gênero, classe e idade se conectam para determinar as oportunidades no mercado de trabalho, gerando mais ou menos trabalhadores “apropriados”, de acordo com cada tipo de tarefa. Dessa forma, a distribuição de pessoal em um hotel, por exemplo, é realizada de maneira diferenciada, de acordo com os requisitos de como o trabalho foi concebido em cada departamento e as imagens construídas através da naturalização de habilidades e determinados estereótipos (Dyer et al., 2010; Zamudio & Michael, 2008).


b) Medidas relacionadas às formas de contratação e de vínculo de trabalho.

Elas procuram reduzir os custos trabalhistas e flexibilizar ao máximo sua disponibilidade em função das necessidades variáveis ​​da demanda. Isso tem relação com os processos de redução de pessoal e aumento das cargas de trabalho; a destruição de formas típicas de emprego e o aumento de formas atípicas de contratação, especialmente trabalho temporário, trabalho em meio período, mas também trabalho subcontratado intermediado por empresas terceirizadas (Cañada, 2018; Knox, 2010). Significa fazer uso arbitrário da carga horária, o que implica em não ter uma carga horária fixa de trabalho e resistência ao acesso ao banco de horas. Também envolve toda uma série de práticas de legalidade duvidosa, como a troca de categorias de trabalho para se pagar menos, o uso fraudulento de autônomos ou de estudantes em estágio, o pagamento por gorjetas (como é o caso dos free tours) ou, finalmente, a obrigação de trabalhar em horas-extras sem a remuneração correspondente.


c) Medidas referentes à remuneração.

Os trabalhadores em situações precárias assumem níveis de riscos mais altos, porque os custos trabalhistas não são mais obrigatórios, mas dependem exclusivamente do crescimento econômico do negócio. A participação da empresa na distribuição de renda e na manutenção do nível de salários diminui porque os empregados com contratos temporários, em regime de meio período ou terceirizados tendem a receber menos devido ao menor reconhecimento da categoria profissional, menor capacidade de negociação e menos tempo de trabalho na empresa (Recio, 2007).


d) Medidas que buscam maior otimização do rendimento dos trabalhadores enquanto estão no local de trabalho.

Isso implica em uma crescente pressão pela intensificação do trabalho e pela versatilidade da equipe, para que a empresa possa garantir que os trabalhadores rendam ao máximo ao longo do tempo em que estão efetivamente no local de trabalho.


e) Medidas que buscam limitar as capacidades da organização coletiva com um claro viés anti-sindical que viola os direitos fundamentais do trabalho.

Isso acontece através da fragmentação da negociação coletiva. No caso espanhol, por exemplo, a reforma trabalhista de 2012 priorizou os acordos da empresa em vez dos setoriais, demonstrando ser uma medida claramente voltada para a redução do poder sindical e, portanto, a terceirização não pode ser vista unicamente como uma forma de reduzir despesas (Aragão, 2012; Cañada, 2015, 2016). No mesmo sentido, a divisão dos quadros de trabalhadores em múltiplas situações enfraquece também a capacidade de organização e defesa coletiva. Por fim, é necessário destacar a recorrência de formas diversas de pressão e coerção contra a organização sindical.


 

Referências:

Aragón, J. (2012). Las reformas laborales en España y su repercusión en materia de empleo. Madrid: Fundación 1o de Mayo.

Banyuls, J., & Recio, A. (2015). Gestión empresarial y dinámica laboral en España. Ekonomiaz, 87(1), 182-205.

Banyuls, J., & Recio, A. (2017). Labour segmentation and precariousness in Spain: theories and evidence. In D. Grismshaw, C. Fagan, G. Hebson, & I. Tavora (Eds.), Making work more equal. A new labour market segmentation approach (pp. 129-149). Manchester: Manchester University Press.

Cano, E. (2004). Formas, percepciones y consecuencias de la precariedad. Mientras Tanto, 93, 67-81.

Cañada, E. (2015). Las que limpian los hoteles. Historias ocultas de precariedad laboral. Barcelona: Icaria Editorial.

Cañada, E. (2016). Externalización del trabajo en hoteles. Impacto en los departamentos de pisos. Barcelona: Alba Sud Editorial.

Cañada, E. (2018). Too precarious to be inclusive? Hotel maid employment in Spain. Tourism Geographies, 20(4), 653-674.

Cañada, E. (2019). Trabajo turístico y precariedad. En E. Cañada e I. Murray. Turistificación global. Perspectivas críticas en turismo (pp. 267-287). Barcelona: Icaria Editorial.

Devine, F., Baum, T., Hearns, N., & Devine, A. (2007). Managing cultural diversity: opportunities and challenges for Northern Ireland hoteliers. International Journal of Contemporary Hospitality Management, 19(2), 120-132.

Dyer, S., McDowell, L., & Batnitzky, A. (2010). The Impact of Migration on the Gendering of Service Work: The Case of a West London Hotel. Gender, Work & Organization, 17(16), 635-657.

Jordan, F. (1997). An occupational hazard? Sex segregation in tourism employment. Tourism Management, 18(8), 525-534.

Jordhus-Lier, D. (2015). Fragmentation revisited Flexibility, differentiation and solidarity in hotels. In D. Jordhus-lier & A. Underthun (Eds.). A Hospitable World? Organizing work and workers in hotels and tourist resorts (pp. 48-57). Abingdon: Routledge.

Knox, A. (2010). ‘Lost in translation’: an analysis of temporary work agency employment in hotels. Work, Employment and Society, 24(3), 449-467.

Lewchuk, W., Clarke, M., & De Wolff, A. (2008). Working without commitments: Precarious employment and health. Work, Employment and Society, 22(3), 387-406.

Moreno, D. & Cañada, E. (2018). Dimensiones de género en el trabajo turístico. Barcelona: Alba Sud Editorial, Colección Informes en Contraste, 4.

Obadić, A., & Marić, I. (2009). The significance of tourism as an employment generator of female labour force. Ekon Misao Praksa DBK GOD, XVIII, 93-114.

Recio, A. (2007). Precariedad laboral: reversión de los derechos sociales y transformación de la clase trabajadora. Sociedad y Utopía. Revista de Ciencias Sociales, (29), 273-291.

Zampoukos, K., & Ioannides, D. (2011). The tourism labour conundrum: agenda for new research in the geography of hospitality workers. Hospitality & Society, 1(1), 25-45.

Zamudio, M., & Michael I., L. (2008). Bad Attitudes and Good Soldiers: Soft Skills as a Code for Tractability in the Hiring of Immigrant Latina/os over Native Blacks in the Hotel Industry. Social Problems, 55(4), 573-589.

 

Tradução do original em espanhol de Angela Teberga de Paula e Eline Tosta Felipe.

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