Eduardo Sant'Anna | Mestrando em Turismo/UFF
Hubber Clemente atua em hotéis há mais de 20 anos. Seu primeiro emprego foi de office boy, uma função de quase “faz tudo” à época; passou pela mensageria, auditoria, recepção, reservas e eventos. Nos últimos dez anos, trabalhou na área de vendas com experiência em atendimento de grandes agências de viagens corporativas e captação de eventos. Atualmente, é consultor hoteleiro. Integra o Comitê de Diversidade no Turismo, sendo incentivador do afroturismo como uma maneira de praticar turismo com visão afrocentrada. Produz colaborativamente conteúdo em dois canais no Youtube: Papo de Hoteleiro e o Negros & Pretos: Afro Hotelaria e Afro Turismo. Este último surgiu de uma insatisfação. Na popularização e efervescência de lives sobre turismo e hotelaria durante os primeiros meses da pandemia de COVID-19, algo chamava a atenção: a falta de representatividade negra nos painéis.
Crédito: Pexels.
Para falar de diversidade e inclusão na hotelaria, o Labor Blog orgulhosamente recebe Hubber Clemente para uma entrevista, conduzida por Eduardo Sant’Anna no dia 2 de junho de 2021 via Zoom.
E.S. Nosso principal ponto de partida e interesse hoje são os temas da diversidade e da inclusão. Para começarmos, o que podemos compreender por diversidade e inclusão de forma geral?
H.C. Tem uma frase da Vernā Myers, Vice Presidente da Netflix Global, que é perfeita para falar de diversidade e inclusão: “diversidade é quando você convida para o baile; inclusão é quando você convida para dançar”. A diversidade e inclusão vão sempre estar muito baseadas nos grupos que são excluídos por alguma característica (origem, cor de pele, por exemplo), socialmente falando. Existem índices como ganho salarial, posições hierárquicas ocupadas dentro das empresas e outras situações cotidianas que funcionam como núcleos para compreender e ampliar a diversidade.
E.S. O que te levou a se interessar pela diversidade no trabalho e por que outras pessoas deveriam se interessar também?
H.C. Quando se pega a história do mundo, estruturalmente se vê muito preconceito que é consequência de diversas situações que levaram a isso: mulheres sendo consideradas “propriedade” de homens, a prática da escravidão, que tornou certos grupos como propriedade de outros. A diversidade sempre estará ligada ao poder. Ao olharmos para o Brasil, fica muito evidente quais são os grupos excluídos de alguma forma, com base em orientação sexual, raça, condição social, situação física. Por mais que o mundo esteja estruturado para ser injusto, hoje a gente debate muito os temas da inclusão-exclusão, da diversidade, e da sociedade e empresas serem melhores. Esse debate eu não encontro no turismo e, mais especificamente, na hotelaria. O que encontro são situações muito superficiais para lidar com o tema, mas ações pouco efetivas para lidar com isso.
Quando falo de questões raciais, existe uma porcentagem muito mínima de gestores gerais de hotéis ocupando esse cargo. São pouquíssimas exceções dentro das altas hierarquias de pessoas negras ocupando essas posições, assim como gerências médias. Muitos profissionais negros, em posições iniciais, estão na base da hotelaria. Isso também pode ser dito de pessoas LGBTQIA+. Dificilmente também se encontram Pessoas com Deficiência (PCD) em fronts de hotel. Pessoas trans você não encontra.
O meu interesse e ativismo em falar sobre esse assunto é que, em algum momento, a gente precisa acordar para essa realidade. O quanto é excludente para todos esses grupos não se ver representado dentro de uma rede hoteleira, de modo que ele possa acreditar que pode ocupar um lugar diferente. Esse debate precisa vir à tona porque isso tem consequência também no atendimento aos hóspedes. Por que não olhamos para isso de forma mais franca? Quando se pensa na Parada LGBTQIA+ que acontece em São Paulo, como envolve o capital, o hotel oferece treinamento e promove ações de apoio, enfim. Mas essas pessoas viajam o ano inteiro. É preciso que haja um treinamento inclusivo para isso se perpetuar o tempo todo.
E.S. Quais são os principais problemas enfrentados hoje pela hotelaria em termos de diversidade e inclusão (racismo, LGBTQIA+ fobia, machismo etc.)?
H.C. O setor do turismo representa muito do conservadorismo no Brasil. Os altos cargos hierárquicos são ocupados por conservadores. Nós temos o famoso preconceito silencioso. Se você hoje abordar uma liderança do turismo para debater diversidade, vai escutar: “Imagina! O turismo é super diverso. Trabalha todos os perfis de pessoas”. Mas, se você começa a se aprofundar nas questões de diversidade, e questiona: Quantos diretores no escritório corporativo da rede são LGBTQIA+, negros, PCDs? Você não encontra. Então, vamos para os hotéis: Quantos desses grupos estão na gestão geral? E nas agências de turismo? Não encontra. Quando você vai para os eventos no meio do turismo, fica mais evidente ainda essa questão, porque quando você olha para os painéis, não encontra esses grupos representados. Praticamente existe apenas um perfil de pessoas representadas nas principais feiras de turismo no Brasil. Soma-se a isso a disparidade salarial entre gêneros. Como começar a mudar isso? Debatendo. Expor o problema de maneira construtiva. Quando a gente começa a falar sobre isso, provocamos reflexões e pressionamos o mercado a falar sobre isso e se posicionar. Não adianta a gente não querer falar sobre certos temas.
A primeira coisa que qualquer empresa do turismo e hotelaria precisa mudar é a mentalidade, no sentido de olhar para o tema com sinceridade e com transparência. Não adianta querer fazer ações pontuais e achar que isso vai resolver o problema, porque ele provavelmente vai ser um problema de origem. Se no recrutamento e seleção, a equipe de RH não está preparada para um processo diverso e inclusivo, por mais que se tenha como objetivo ações de diversidade e inclusão, os resultados serão sempre os mesmos. O departamento de RH deve ser um dos principais a se incluir nessas ações com o envolvimento do topo da gestão. A gestão precisa estar preocupada e atenta e dar o suporte para que essas ações aconteçam.
E.S. Como você acha que pode ser essa nova hotelaria que incorpora a diversidade em suas pautas? Que ações são importantes para a valorização da diversidade e inclusão no setor hoteleiro?
H.C. Primeiramente, é preciso ser sincero nos porquês. Por que eu não tenho pessoas trans trabalhando na recepção dos meus hotéis? Por que não tenho PCDs trabalhando como hostess? Por que não tenho negros trabalhando na diretoria da empresa?
Essas perguntas precisam ser feitas para termos ações. As ações envolvem a busca de especialistas para falar sobre isso e montar estratégias. Entender a capacidade de diversificar e incluir também é fundamental. Não adianta do dia para a noite querer colocar altas porcentagens de pessoas LGBTQIA+, pessoas negras, PCDs. É preciso trabalhar a mentalidade das equipes atuais para a diversidade e inclusão. Se a empresa insere uma pessoa com deficiência na recepção, o líder da recepção precisa estar preparado para incluir. Nenhuma das dificuldades é empecilho para procrastinar e dizer que não vai fazer porque não consegue. Nesse sentido, se a empresa quer garantir diversidade e inclusão, as metas e os objetivos são importantes para verificar se as ações estão surtindo efeito ou não.
Se você faz uma busca simples na internet sobre casos de preconceitos graves desses grupos, você encontra uma série. Quando fui montar o canal do Youtube da minha iniciativa, eu pesquisei: “negros de destaque na hotelaria”; no principal buscador. Os principais resultados na primeira página de busca foram casos de preconceito. E não é preconceito que você fale assim; ah, aconteceu há dois anos. São casos de 2018, 2019.
Sabe qual é a maior incoerência de todas? A primeira lei anti-racismo no Brasil, a lei Afonso Arinos, nasceu por uma situação de preconceito racial em um hotel no centro de São Paulo em 1950. Uma grande coreógrafa, bailarina e ativista americana chamada Katherine Dunham veio se apresentar no Theatro Municipal de São Paulo. Ela foi se hospedar em um hotel de luxo no centro da cidade e o gerente geral do hotel informou que o estabelecimento não hospedava pessoas de cor negra. Ela não conseguiu se hospedar. Aproveitando a visibilidade que ela tinha, em uma coletiva de imprensa ela falou sobre esse fato, que saiu em todos os jornais da época. Assim nasceu a lei Afonso Arinos. E vou te falar que, desde 1950 até hoje, ainda acontecem casos de racismo no Brasil. Uma das desculpas mais frequentes hoje em dia são as notas de esclarecimento. O que você mais vê é: “nós não compactuamos com preconceitos”; “nós realizamos treinamentos para evitar treinamentos”. Teve uma grande rede de hipermercados, em que aconteceu uma tragédia, que no dia anterior estava fazendo uma live falando sobre combate ao racismo. No dia seguinte, uma pessoa negra morre assassinada dentro de um supermercado da rede. Então, que treinamento é esse?
E.S. O que não pode mais acontecer em termos de diversidade e inclusão no mercado de trabalho, Hubber?
H.C. Pessoas com Deficiência não podem mais ir a um hotel e saber que só existe um ou dois apartamentos para elas.
Pessoas trans não podem mais ter uma sensação ruim porque vai passar um constrangimento na hora de viajar.
Mulheres devem sentir total liberdade para ir aonde quiserem, do jeito que quiserem, ocupar o cargo que quiserem, ser respeitadas e não ouvir “essa trabalha igual homem” para serem respeitadas.
Pessoas negras simplesmente tem que pensar em suas viagens como diversão e não se preocuparem com discriminação por conta de sua cor de pele.
As viagens precisam verdadeiramente ser diversas, inclusivas e motivo de felicidade para todos esses grupos quando forem viajar.
Assim que eu quero que seja para esse grupos e outros grupos que sofrem preconceitos. Viajar e se hospedar são coisas que tem que gerar felicidade e não tristeza para ninguém.
Fotografia de Hubber Clemente (arquivo pessoal).
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