Leandro Carvalho Lima & Luciana Pinheiro Viegas
O turismo possui uma estrutura sistêmica que envolve uma gama de atividades, cujo valor é atribuído ao seu poder de dinamização socioeconômico-cultural nos destinos que o tem como substancial. As características de estrutura sistêmica estão dispostas à efetivação do produto turístico, que requer uma série de ações para sua completa execução e que passam por atividades de agenciamento, transporte, hospedagem, guiamento, alimentação, e outras, necessárias ao bem-estar e lazer do turista durante seu deslocamento e estada.
Beni (2000, p. 172) destaca que “o produto turístico é um conjunto composto de bens e serviços produzidos em diversas unidades econômicas, que sofre uma agregação no mercado ao serem postos em destaque os atrativos turísticos”. Com isso, a ampla rede de atividades e setores relacionados ao turismo conduz para uma maior distribuição de renda local e também proporciona a inclusão das mais variadas camadas sociais no seu mercado de trabalho. Todavia, o mercado de trabalho no turismo apresenta ainda, características muitas vezes severas e injustas, observadas nos trabalhos temporários ou nas desigualdades de direitos (CLARO; BOTOMÉ; KUBO, 2003 apud RUECKERT, 2014, p. 95).
Para Costa et al. (2021, p. 1213) os estudos recentes demonstram, com frequência, que há um privilégio dos aspectos econômicos sobre os sociais em nosso país no que diz respeito às questões do trabalho e do turismo, principalmente após a Reforma Trabalhista de 2017 (Lei nº 13.417). Canãda apud Cruz (2021, p. 82) ainda aponta que o mercado de trabalho no turismo demanda baixa qualificação profissional, com destaque para uma maior participação de mulheres no setor, contudo, isso não reflete em melhores remunerações em relação aos trabalhadores homens.
A economia do turismo e o mercado de trabalho
Os relatórios econômicos da World Travel & Tourism Concil (WTTC) indicam que, no ano de 2019, o impacto direto, indireto e induzido dos setores de viagens e turismo representou US$ 8,9 trilhões para o PIB mundial, com 10,3% de participação para o setor no PIB; um crescimento de 3,5%, superando o crescimento da economia global que foi de 2,5%; e 330 milhões de empregos, ou seja, 1 em cada 10 empregos no mundo vem do setor de viagens e turismo (WTTC, 2019).
Consequentemente, os números gerais dispostos anteriormente, devem ser particularizados para se entender o funcionamento e dimensão da cadeia produtiva do setor. Desse modo, o IBGE considera um grupo de prestadores de serviços turísticos como ACTs, de acordo com a produção principal de bens e serviços definidos como característicos do turismo. Essas características do turismo, são aquelas que, na ausência de turistas, teria sua atividade comercial produtiva reduzida (FGV, 2020, p. 8).
O grupo que o IBGE considera como atividades principais relacionadas ao turismo, tiveram um PIB de aproximadamente R$ 270,8 bilhões em 2019 no Brasil, para o consolidado das atividades. As atividades e o percentual de sua participação relativa setorial são: alojamento (7,14%); alimentação (37,45%); transporte terrestre (17,37%); transporte aéreo (4,78%); outros transportes e serviços auxiliares dos transportes (9,93%); atividades de agências e organizadores de viagens (2,73); aluguel de transportes (2,67%); atividades recreativas, culturais e desportivas (17,93%) (FVG, 2020, pp. 8-9).
A diversidade de segmentos que o fenômeno turístico engloba o torna um setor com alto poder de movimentação econômica, capaz de impulsionar destinos e regiões que detenham condições para seu desenvolvimento. Dessa forma, o mercado de trabalho no turismo envolve profissões que exigem mais qualificação (áreas administrativas, gerenciais e de tecnologia) como também, a grande parte das ocupações (atividades operacionais) que requer qualificação básica e de nível médio.
Os benefícios gerados pela atividade turística contribuem para redução das desigualdades regionais, para a geração de divisas e na criação de empregos, este último aspecto em particular, pois o turismo constituído predominantemente numa atividade do setor de serviços, que utiliza mão de obra de forma intensiva, seu potencial de gerador de empregos é muito relevante para a economia de regiões ou mesmo países (RABAHY, 2019, p. 11).
Principais resultados do estudo:
o gênero feminino se destaca nas atividades que mais empregam no setor e, consequentemente, detém 54,5% das ocupações formais nas ACTs em Mato Grosso. Mas as atividades que possuem os maiores salários médios ainda são ocupadas pelo gênero masculino;
os trabalhadores do nível escolar do 6º a 9º ano eram 19,5% dos empregados nas ACTs no estado, em 2012, e ao final de 2018 se situavam em 11,5%, o que se considera positivo, já que há uma elevação no nível de instrução dos trabalhadores do setor. O percentual dos que possuem ensino superior completo finalizou 2018 com 6,3%, ante 5,7% registrado em 2012;
em 2012 os empregados que recebiam até 02 salários mínimos eram aproximadamente 72%, e no ano de 2018 se situavam em 75,1%. Os trabalhadores que receberam entre 2,01 e 3,0 salários mínimos representavam praticamente 18% em 2012, e 16,5% dos postos de trabalho em 2018;
as faixas salariais com o menor volume de ocupados estão os que receberam de 3,01 a 5,0 salários mínimos, com um volume de trabalhadores entre 6,0% e 8,0% entre os anos de 2012 a 2018. A menor faixa salarial em ocupados foi a de 5,01 ou mais salários, que teve uma concentração de trabalhadores entre 2,0% e 2,6%, entre os anos de 2012 e 2018.
Pórtico de entrada da Estrada Parque Transpantaneira no Pantanal em Mato Grosso, 2018. Autor: Leandro Carvalho Lima
A análise das características das ocupações formais na atividade turística torna-se necessária como forma de compreender o complexo mercado de trabalho no setor. A geração de empregos no turismo requer esforços de toda a sua estrutura sistêmica, que envolve não somente a atuação das ACTs enquanto geradora de postos de trabalho, mas principalmente seu fomento por meio de políticas públicas.
Logo, os dados apresentados corroboram a relação positiva entre qualificação e rendimento nas ocupações formais das ACTs em Mato Grosso. Nota-se que houve uma elevação no nível de instrução dos trabalhadores no período de 2012 a 2018. As faixas de menor escolaridade (Até o 5º ano; 6º a 9º ano) tiveram quedas percentuais no conjunto de ocupados nas ACTs e as de maior nível escolar (ensino médio completo ou superior incompleto; superior completo) elevaram sua participação no número de ocupados formais. Essas variações positivas refletem nos salários dos ocupados, mesmo que ainda mais de 70% estejam concentrados nos níveis escolares de ensino médio completo ou superior incompleto.
Referências
BENI, M. C. Análise estrutural do turismo. 3. ed. São Paulo, SP: Editora Senac São Paulo, 2000.
COSTA, J. C. et al. Trabalho (in)decente no turismo: reflexões para a construção de uma agenda de pesquisa. Rosa dos Ventos Turismo e Hospitalidade. Caxias do Sul, RS, v. 13, n. 4, p. 1213-1233, 2021. Disponível em: http://dx.doi.org/10.18226/21789061.v13i4p123. Acesso em: 01 jun. 2022.
CRUZ, R. C. A. Trabalho no turismo: reflexões acerca do caso brasileiro. Revista do Centro de Pesquisa e Formação. São Paulo, SP, nº 12021, junho de 2021. Disponível em: https://centrodepesquisaeformacao.sescsp.org.br/revista/edicao_especial_2.php?cor=verde. Acesso em: 31 mai. 2022.
FGV. Fundação Getúlio Vargas. Impacto econômico do COVID-19: propostas para o turismo brasileiro. Rio de Janeiro, RJ: abril de 2020, 25p.
RABAHY, W. A. Análise e perspectivas do turismo no Brasil. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo, São Paulo, SP, v. 14, n.1, p. 1 – 13, jan./abr. 2019. Disponível em: http://dx.doi.org/10.7784/rbtur.v14i1.1903. Acesso em: 14 dez. 2021.
RUECKERT, R. A. O. A dinâmica socioespacial das atividades características do turismo – ACTs, no Estado de Santa Catarina. 2014. 302f. Tese (Doutorado em Geografia) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2014.
WTTC - World Travel & Tourism Council. Travel & tourism regional performance, 2019. Disponível em: https://wttc.org/. Acesso em: 10 jun. 2020.
Artigo publicado na Revista Turismo & Cidades da UFMA em dezembro de 2022, fruto da dissertação de mestrado pela FLACSO Brasil (2021).
Leandro Carvalho Lima é graduado em Turismo pela Universidade do Estado de Mato Grosso (2009), mestre em Estado, Governo e Políticas Públicas pela Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (2021) e Analista em Pesquisa e Planejamento Turístico no Observatório de Desenvolvimento do Estado de Mato Grosso.
Luciana Pinheiro Viegas é graduada em Turismo pela Universidade Federal de Pernambuco (2003), mestre em Geografia pela Universidade Federal de Pernambuco (2006), doutora em Geografia pela Universidade Federal Fluminense (2014), pós doutora pela Universidade Federal de Mato Grosso e Professora da Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT.
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