Labor Movens
14 de nov. de 2024
Pelo fim da escala 6x1: Por uma vida que vai além do trabalho
Tramita na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 174/ 2023, que busca alterar a jornada máxima de trabalho e extinguir o regime conhecido como escala 6x1. A proposta visa assegurar dois dias consecutivos de folga após cinco dias de trabalho. Atualmente, a escala 6x1 permite apenas um dia de descanso a cada seis dias trabalhados, sendo um domingo por mês.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mesmo após a Reforma Trabalhista de 2017, define uma jornada legal de até 44 horas semanais, distribuídas em 8 horas diárias de segunda a sexta-feira e 4 horas aos sábados. No entanto, especialmente no setor de serviços, predomina a jornada de 48 horas semanais, em que os/as trabalhadores/as cumprem a jornada completa por seis dias e descansam apenas um. Além disso, a folga aos domingos é objeto de negociação coletiva entre as empresas e sindicatos, ou entre as chefias e os funcionários. Nesse processo, os/as trabalhadores/as têm pouco poder de barganha, e o dia de folga costuma ser imposto, muitas vezes desconsiderando as necessidades dos/as trabalhadores/as.
A legislação trabalhista permite o trabalho aos domingos, sobretudo em setores como o de comércio e serviços, mas institui que o/a trabalhador/a tenha ao menos um domingo de folga por mês. Para aqueles que trabalham aos domingos, a legislação determina que essas horas sejam compensadas com uma folga em outro dia da semana. Caso essa compensação não ocorra, o/a trabalhador/a têm direito a um adicional pelo trabalho em dia de repouso, geralmente pago como hora extra com um acréscimo de 100%.
Em um mercado de trabalho fortemente marcado pela informalidade, como é o caso brasileiro, é comum que trabalhadores/as não consigam folgas nos finais de semana, sendo geralmente liberados/as às segundas-feiras, quando muitos estabelecimentos, especialmente do setor de alimentos e bebidas, não funcionam.
No setor de turismo e alimentação, a escala 6x1 é amplamente adotada para atender à alta demanda de serviços, especialmente em restaurantes, bares, hotéis e outros estabelecimentos que operam diariamente, com foco nos finais de semana e feriados. Essa prática prioriza as necessidades do setor e o atendimento aos clientes, mas impõe um impacto negativo que recai sobre os/as trabalhadores/as. Frequentemente, a folga semanal é variável, o que significa que o/a trabalhador/a não tem autonomia para programar compromissos até que a escala semanal ou mensal seja divulgada. Além disso, não é raro que se trabalhe por mais de seis dias seguidos devido à demanda ou ao planejamento de turnos. Na prática, muitos/as trabalhadores/as chegam a cumprir até duas semanas seguidas de trabalho sem uma folga efetiva.
Dessa forma, a escala 6x1 penaliza os/as trabalhadores/as, usurpando seu direito ao descanso e lazer, a possibilidade de reposição de energias, a realização de consultas médicas e o tempo para estar com a família, acompanhar filhos ou pais idosos e, no caso da maioria das mulheres, realizar o trabalho doméstico e de cuidados. Além disso, impede a participação em momentos familiares importantes, como aniversários, confraternizações com amigos e feriados.
Trabalhar seis dias por semana e descansar apenas um traz consequências graves para a saúde física e mental dos/as trabalhadores/as, que se veem sobrecarregados/as pela extensa jornada, somada ao tempo de deslocamento em transporte público e à necessidade de realizar o trabalho doméstico, essencial para a vida. Lavar roupas e uniformes, manter a casa limpa, fazer compras, cozinhar (sendo comum que a folga seja usada para preparar as marmitas para a semana), passar tempo com a família e descansar tornam-se tarefas difíceis de conciliar. Essa sobrecarga tem levado a um aumento nos casos de burnout, conforme apontado pela pesquisa da International Stress Management Association (Isma-BR), realizada em 2021, o Brasil foi o segundo país com mais casos de burnout, atingindo cerca de 30% dos trabalhadores.
Os efeitos dessa escala são visíveis no mercado de trabalho dos setores de turismo, hospedagem e alimentação, que há anos enfrentam uma "dificuldade com mão de obra". Essa dificuldade refere-se à grande quantidade de vagas ociosas e à alta rotatividade de funcionários. Empresários e gestores desses setores sabem, no entanto, que a escala 6x1, aliada aos baixos salários, são os principais motivos pelos quais esse “problema” com a mão de obra persiste. Pesquisas mostram que a redução da jornada de trabalho aumenta a produtividade nas empresas: trabalhadores/as mais descansados/as têm mais disposição, os níveis de absenteísmo caem e a rotatividade diminui. As pessoas buscam uma vida digna, o que implica tempo para lazer, para a família e para si mesmas - uma vida que, de fato, quer ir muito além do trabalho.
Rick Azevedo, vereador recém-eleito na cidade do Rio de Janeiro pelo PSOL, é o criador do Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), que lidera a campanha pelo fim da escala 6x1e pela redução da jornada de trabalho sem diminuição de salários. A iniciativa foi levada ao Congresso Nacional pela deputada federal Erika Hilton (PSOL), que protocolou a PEC na Câmara e assumiu o protagonismo da campanha na esfera legislativa.
A proposta da deputada federal sugere uma alteração no inciso XIII, do artigo 7° da Constituição Federal, para estabelecer uma “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e trinta e seis horas semanais, com jornada de trabalho de quatro dias por semana, facultada a compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”.
Considerando a recente pesquisa sobre turismo divulgada pelo IBGE, que aponta que em mais de 80% dos lares brasileiros ninguém viajou em 2023, principalmente por falta de dinheiro e tempo, a luta pelo fim da escala 6x1 e pela redução da jornada de trabalho para 36 horas, sem redução de salário, deve ser travada, e não combatida, por todos que desejam fortalecer o turismo doméstico no Brasil.
Nós, do Grupo Labor Movens, apoiamos a luta pelo fim da escala 6x1 e por um trabalho mais digno e justo, em que todos/as os/as trabalhadores/as possam exercer plenamente seu direito ao lazer e ao descanso, sem prejuízo de salários. Reafirmamos nosso compromisso por condições de trabalho mais humanas e pela qualidade de vida dos/as trabalhadores/as.